Miguel Ramalho-Santos trabalha numa das áreas mais controversas da investigação científica, as células estaminais, numa espécie de oásis para quem se debruça sobre este tema - a Califórnia. O cientista português faz ciência nos EUA e em plena crise financeira mundial recebeu um milhão e meio de dólares, o que lhe vai dar para sorrir durante os próximos cinco anos. Torce por Barack Obama e vai votar nas eleições do dia 4 de Novembro. Na porta há uma placa que indica o nome do laboratório. Lê-se "Santos Lab". Aqui os laboratórios ganham o nome dos investigadores. E aqui é onde labora Miguel Ramalho-Santos, o investigador português a trabalhar na Escola Médica da Universidade da Califórnia, em São Francisco, que acabou de ganhar um milhão e meio de dólares (pouco mais de um milhão de euros), atribuídos pelo National Institute of Health (NIH), para estudar a genética molecular das células estaminais embrionárias de ratinhos. É mais do que o dinheiro do Nobel (ou mais do que o milionário e português Prémio Champalimaud) para desbravar caminho numa das áreas mais controversas e promissoras da biomedicina. "É excelente. A maior vantagem é poder dedicar-me totalmente à investigação nos próximos cinco anos e não pensar em preencher papelada para conseguir financiamento. "Miguel Ramalho-Santos, 36 anos, recebeu este financiamento do NIH para se debruçar, para já, em estaminais embrionárias de ratinhos. Mas também tem em curso projectos com embrionárias humanas. À partida, quando se fala em células estaminais embrionárias pensa-se na busca do Eldorado da medicina regenerativa - a regeneração e cura de qualquer lesão. A capacidade pluripotente destas células, ainda indiferenciadas, sem papel específico no organismo, capazes de se transformarem em células de qualquer órgão do corpo, aguça a imaginação dos leigos e a perícia dos investigadores na busca dessa cura para todas as doenças. Mas não é isso que Miguel Ramalho-Santos procura: "Não sou clínico. O que tento perceber é a genética molecular destas células: como é que elas funcionam, quais os genes que estão por trás da sua evolução. Eu aposto na investigação básica. Quero saber como esta pluripotência é regulada em termos genéticos, o que pode indicar o caminho para a reprogramação da função das células."E o caminho inverso, sobre como conseguir reprogramar células adultas e fazer com que regridam às suas capacidades embrionárias, também lhe interessa: "Como é possível trazer uma célula adulta de regresso à sua fase de pluripotência?" Depois, explica, a aplicação clínica deste trabalho poderá vir então a ser aplicada por outros colegas. "Estas células exercem em mim um grande fascínio. E um dos aspectos mais fascinantes é a sua pluripotência. Qualquer tipo de células do nosso corpo pode ter origem em células estaminais", diz. Os embriões não são a única fonte destas cobiçadas células estaminais. Há estaminais no sangue, no cordão umbilical e até na mucosa olfactiva. Mas a sua capacidade pluripotente é muito reduzida. Têm é a vantagem de não levantar problemas éticos. As linhas de células estaminais mais cobiçadas pela ciência têm origem em embriões excedentários das técnicas de reprodução medicamente assistida que se tornam inviáveis ou que já não vão ser usados pelos casais (está mundialmente afastada, desde a assinatura da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano, ratificada por Portugal, a hipótese de criar embriões humanos para uso exclusivo de investigação científica).Oásis no deserto. Mas a difícil questão de definir quando começa a vida - se na concepção se no nascimento - divide a comunidade científica e principalmente a política em torno das estaminais embrionárias. Este é um problema em todo o mundo. Na concepção republicana e conservadora da Administração Bush a vida começa no momento da concepção. É por isso proibido o financiamento público a investigação com estaminais, excepto linhas celulares já existentes antes de Agosto de 2001.É certo que a Califórnia, onde Miguel Ramalho-Santos chegou há sete anos, é um oásis no deserto americano para quem investiga com estaminais embrionárias. O estado destacou-se desta opção da política federal para a área da investigação com embriões e aprovou, num referendo em 2004, o financiamento público nesta área. "As condições são excelentes depois do referendo. Mas teve de se criar uma espécie de NIH da Califórnia para controlar estes financiamentos." Por estas razões e por outras, como o facto de o financiamento para a ciência ter decrescido acentuadamente na era Bush (tinha duplicado no tempo de Clinton), Miguel Ramalho-Santos, que nasceu nos Estados Unidos e tem dupla nacionalidade, não tem dúvidas em apoiar os democratas nas eleições do dia 4 de Novembro. "É difícil não torcer por Barack Obama", justifica. "Aqui [no laboratório] torcemos todos pelos democratas. E será difícil fazer pior" do que os republicanos têm feito.Filho de investigadores - do sociólogo Boaventura Sousa Santos e de Maria Irene Ramalho, professora de Literatura Portuguesa na Universidade de Coimbra -, Miguel Ramalho-Santos reconhece que o meio em que cresceu se tornou importante na opção de vida que acabou por tomar. "Os meus pais sempre estimularam muito os nossos interesses [dele e do irmão João, investigador do departamento de zoologia da Universidade de Coimbra], quer na investigação científica quer na literatura.Talvez por isso também tenha dado alguns passos na área da escrita: publicou já dois livros em Portugal, Cabo Norte (escrita de viagens, de 1998) e Auto (romance, de 2006). Mas agora confessa que o seu projecto é outro. O filho chama-se Rafael e tem dois meses. "Tento não ultrapassar as oito horas de trabalho no laboratório. E aproveito o sono dele para me concentrar em casa."Miguel Ramalho-Santos não pensa regressar a Portugal, de onde saiu depois de se ter licenciado em Biologia na Universidade de Coimbra. "Vim para aqui há 11 anos, para fazer o doutoramento em Harvard, onde estive cinco anos... Em termos definitivos, não me preocupo com o regresso a Portugal", confessa, apesar de lembrar os projectos que desenvolve com grupos portugueses e de tentar atrair alunos portugueses para o "Santos Lab". "Tenho excelentes relações com várias instituições em Portugal, nomeadamente com a Universidade de Coimbra e com o Instituto Gulbenkian de Ciência. E tenho um aluno português há quatro anos comigo. Tenho interesse em formar mais gente aqui."
Sem comentários:
Enviar um comentário